
Humberto Gessinger, música e literatura
Líder dos Engenheiros do Hawai comentou seus livros e projetos com a banda em entrevista
Fonte: Leda Malysz / Correio do Povo
Presente na Feira do livro para o bate-papo “Letra, Música e Poesia: A Arte da Criação”, Humberto Gessinger, integrante da Pouca Vogal, falará nesta quarta-feira sobre suas criações musicais e literárias entre histórias suas e da banda Engenheiros do Hawai, às 16h, na Sala dos Jacarandás, no Memorial do Rio Grande do Sul, ao lado de Gustavo Guertler.
O autor de “Pra Ser Sincero”, de 2009, lançou no início deste ano seu terceiro livro “Mapas do Acaso” pela Belas Letras. O outro título dele é “Meu Pequeno Gremista”. Em entrevista ao Correio do Povo, o músico falou sobre a criação literária, percepções sobre a banda e novos projetos. Confira:
Correio do Povo: No final de 2009 você lançou o “Pra Ser Sincero – 123 Variações Sobre um Mesmo Tema”. No início deste ano chegou “Mapas do Acaso – 42 Variações Sobre o Mesmo Tema”. Como podemos comparar as duas obras, ambas com textos de sobre a atividade musical, as duas com fotografias do Engenheiros, letras de músicas e alguns comentários sobre algumas músicas?
Humberto Gessinger: “Para Ser Sincero”, é uma biografia com texto que segue a cronologia e discografia, em uma estrutura mais linear e documental. Em “Mapas do Acaso” construo crônicas que chamo de “Notas Mentais para uma Nova Vida”. Baseado na minha vida e na trajetória da banda, é um livro com memórias mais sensitivas, reflexivas. Costumo dizer que, se em “Para Ser Sincero” o escritor e o leitor se conhecem, no “Mapa do Acaso” eles estão mais íntimos, tomando um vinho juntos. Na verdade, um fala do acontecimento e outro é um livro de pensamentos sobre o que aconteceu. O grande interesse, para quem conheçe a banda ou não, são as reflexões sobre como vivi as coisas, do que novidades em termos de informação.
CP: Como foi processo de construção do livro?
Gessinger: Enquanto escrevia o primeiro, me chegavam memórias que ao meu ver destoavam do que eu estava fazendo. Começei a separar e guardar as ideias como sementes para um novo livro. Ao trabalhar este material, vi que os textos poderiam ser encarados com crônicas. Até a ideia de “Notas Mentais para uma Nova Vida” ganha uma ironia no primeiro texto, com a primeira nota intitulada “Lembrar Que a Vida é Uma Só”.
CP: Ao escrever estes livros, deparou-se com toda a história da banda, da sua vida, existiram reflexões, lembranças, sentimentos. Fala um pouco dessa experiência, de colocar tudo em um livro, uma biografia?
Gessinger: Acho que o principal lance de escrever sobre um momento ou um fato histórico é ter essa noção clara que temos apenas uma versão parcial sobre o assunto, aí é possível ficar livre para escrever. Acho que o grande risco que se corre é ter a ilusão que você dará a visão final do acontecimento, quando fica claro que você não fará isso. Foi uma escrita bem livre. Em uma das crônicas, quando menciono um livro de Kafka, digo que não lembro se o personagem está saindo ou chegando no local, e ainda digo que faço questão de não procurar no Google. Quis preservar no texto até os lapsos. Os lapsos são significativos, e dizem coisas coisas do ponto de vista humano.
CP: De que forma tratastes as abordagens das crônicas?
Gessinger: Aos poucos fui notando que, a partir de uma coisa banal, como fazer 40 anos e usar óculos para ler, já me levam a interpretações que levam a um pensamento maior, como refletir sobre as transformações do dia a dia ou a pensar em como a obra musical se posiciona em relação ao tempo. O tempo está sempre presente no meu pensamento.
CP: E como foi, ou é, a relação do Engenheiros com o tempo?
Gessinger: Como compositor eu sempre soube, desde o início, o que queria fazer, desenvolver com a música, claro que a experiência aprimora. Na história da banda, vejo algumas mudanças em relação a sonoridades mais referentes às mudanças de formação, que influem claramente. Não sinto, em toda trajetória do Engenheiros, uma ruptura de conceito ou posturas musicais. Vejo na banda muito mais um clima de continuidade. Gosto da sensação de poder colocar nossa primeira música do primeiro CD em um novo álbum e ela não ficar deslocada, por exemplo.
CP: O que é esse conceito do Engenheiros, que você refere, que ainda continua?
Gessinger: Um traço bem forte da nossa música sempre foi a coisa autoral, da composição. O que sinto que mais me atraiu foi compor a letra. Na época fomos muito influenciados pela MPB dos anos 70 e 80, com toda uma geração que leva a sério essa coisa de compor letras, como Caetano Veloso, Chico Buarque, Cazuza, Arnaldo Antunes. Então tinha esta característica no ar, era nessa geração que eu estava metido, para a qual a letra é muito importante. São movimentos pendulares na história da música, em outros momentos, o instrumental é mais destacado.
CP: Nessas composições, como você trabalha a letra/música?
Gessinger: Sempre tive facilidade com a escrita. A história clichê do garoto que gostava de ler, fazia boas redações na escola. Na minha vida pessoal, o texto é anterior à música, mas comecei a publicar ele depois.
Na forma de compor, fazendo um levantamento matemático, acho que daria empate o número de canções que fiz antes a letra ou antes a música. Em alguns raros casos me chegam a letra e música juntas, o que é o ideal e o raro, como em “Somos Quem Podemos Ser” e “Terra de Gigantes”. Como tenho mais facilidade com a palavra, sou mais cuidadoso, paciente e delicado com a música. Sei que com a palavra eu consigo o que quero naturalmente.
CP: E as diferenças entre fazer letras e músicas e trabalhar com as palavras em um livro?
Gessinger: Quando faço uma música, mesmo que ninguém ouça, ela já se justifica. Vale fazer só pra ti mesmo. Já o texto sem leitor me parece muito triste. Acho que o texto precisa mais do leitor do que a música precisa do ouvinte.
CP: Como estão os projetos para você e os Engenheiros?
Gessinger: Estamos viajando bastante pela “Pouco Vogal”, ainda divulgando o DVD que gravamos há mais de dois anos. Acho que agora a cara dela está assimilada. Esta história de dar um tempo no “Engenheiros do Hawaii” também tem a ver, para dar espaço ao novo projeto. Com a agenda mais tranquila, no segundo semestre de 2012, pretendemos reunir os Engenheiros de novo, e a ideia é chegar com coisa nova.

