direitos humanos

Deficiência para ser encarada

Dicas de livro e profissionais ajudam a encarar os deficientes com respeito e boas maneiras


   Oneide de Souza Figueiredo é deficiente visual e precisa ser tratado como tal, sem exagero de cuidados, atitude relapsa ou postura perante um ”coitadinho”. Ele é um indivíduo antes de ser cego, afirma, defendendo seu espaço de ser. Se está parado em uma rua, não necessariamente está aguardando ajuda. “Nós cegos ficamos parados também.” Pode estar aguardando um encontro. Se alguém se prontificar a ajudar, não deve “ir pegando pelo braço e dizendo que está na hora de atravessar. Pergunte”. E não leve a mal quando o cego negar o auxílio. Não é orgulho. Naquele momento ele está dominando a situação. Ao encaminhá-lo a um lugar, apoie a mão do deficiente no seu cotovelo e deixe ele lhe acompanhar. Ao conversar com ele, não precisa levantar a voz, não é surdo.
          – “Mas nunca deixe de se aproximar por medo de não saber lidar com a deficiência, o que não souber, pergunte.” 
      Essas são algumas dicas de Oneide sobre como lidar com pessoas cegas. Esse é, também, o mote do livro “Vai Encarar? – A Nação (quase) Invisível das Pessoas com Deficiência”, escrito pela jornalista Claudia Matarazzo com consultoria de Mara Gabrilli, tetraplégica há mais de 10 anos. Elas abordam histórias de pessoas deficientes, seja física, visual, com mobilidade reduzida ou deficiente mental.
          Em um livro prático, como de educação social para o tema, elas contam relatos e fornecem muitas dicas, que seguem nos quadros abaixo. A essência é de que quem é deficiente já sabe lidar com o problema, não enfrenta mais o preconceito ou autopiedade. Precisa que o próximo o encare. A pior atitude de todas é fingir que não viu, para não incomodar. O fato de evitar o deficiente como se ele tivesse doença contagiosa agride. Oneide, funcionário do Sine de Porto Alegre, onde ajuda as empresas a ocuparem as vagas para deficientes, concursado, casado com uma pessoa totalmente cega, com um filho de 14 e outro de 5 anos, atleta e síndico do prédio onde reside, resume: “Não temos limites, temos dificuldades. É preciso diálogos entre pessoas com deficiência ou não, para sabermos conviver bem.”          
  Ao final, aponta: “como cego, posso ser prefeito de Nova Iorque.”
 
Ser surdo pode ser comparado a viver em outro país
   
     
     A psicóloga Iara Maria Chignall de Moraes, de 58 anos, ensurdecida há 20, já chamando um taxi para se despedir, ao final da entrevista, pela Rua dos Andradas, em Porto Alegre, lembrava de um seminário onde todos eram surdos e a língua de sinais era traduzida a um ouvinte. |Lá ele era estrangeiro. Agora, eu, na rua, é como estar em outro país. Vocês usam outra língua|, compara. A imagem absorve muitas das dificuldades práticas de quem não ouve. A principal, contudo, é a falta de informação, ela conta. Pra começar, surdo-mudo não existe. Belisque um surdo para ver se ele é mudo|, provoca. Iara fala com boa pronúncia, porque ouvia e quando esava surda ja sabia falar. 
     Em 2009, ao lado de Oneide, ela participou da curadoria da exposição |Arte – Contato/Com tato|, realizada na Casa de Cultura Mario Quintana. Sobre o sentimento da ocasião, ela relatou que dores não precisam de gritos para serem ouvidas. A mostra era composta por esculturas de Xico Stockinger, que perdeu a audição e gostava inclusive que suas obras forssem tocadas quando vistas. Hoje, em prol da sociabilização para os deficientes, Iara trabalha na Fundação de Atendimento ao Deficiente e Superdotado no RS, Faders, incentivando a colocação deles no mercado de trabalho através de capacitações.
.
Precisa Saber?
     Claudia Matarazzo, jornalista com dez livros sobre comportamento e moda, veio a Porto Alegre lançar o livro em dezembro. Na ocasião, contou que resolveu escrever sobre o universo das pessoas com deficiência por intermédio de Mara Gabrilli, vereadora, a primeira secretária da Secretaria Especial da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida de SP, amiga de seu irmão. |Em um evento, ela me sugeriu: você devia escrever sobre deficientes. Perguntei: precisa? Claro, as pessoas não sabem como lidar com a gente, ela me respondeu|. 
 
Problema Seu
     Conforme o último censo de 2000, as pessoas com deficiência no Brasil somavam mais de 24 milhões. Desses, 48% são deficientes visuais, 27% físicos ou com mobilidade reduzida, 16% tem algum tipo de deficiência mental e 8% são surdos. Num universo tão grande é cada vez mais acelerada a busca por acessibilidade em locais públicos. |Quem não é cadeirante ou pensa que o problema é dos outros, deve lembrar que possivelmente ele irá envelhecer, precisar de apoios físicos e não ter condições de ir aos lugares|, diz Claudia.
 
Saber ouvir e falar
     Iara fornece algumas dicas para quem for conversar com alguém com deficiência auditiva. Em primeiro lugar, eles gostam de ser referidos como surdos. |Se você é branca, é deficiente de melanina. Há o orgulho surdo|, brinca. Converse bem de frente para eles, sem falar rápido ou exagerar na gesticulação. Muitos utilizam a leitura labial. Se em uma conversa o ouvinte simplesmente se virar, o surdo pode pensar que acabou o diálogo e sair. Faça um sinal para que ele espere caso você precise se mover.

 Crianças
     Como agir se o filho começa a olhar muito e fazer perguntas apontando para alguém com deficiência? O mais comum é o que aprendemos, pedir para que criança se afaste para “não incomodar”. Mas na infância, o estranho é natural, só precisa ser esclarecido. Segundo Claudia, basta explicar. Se for o caso, incluir o deficiente na conversa. A maioria gosta de criança, e não tem problema nenhum a explicar para elas. O que a criança quer saber geralmente nesses casos é os porquês. Apenas chame a atenção se ela estiver sendo incômoda.
 
Bem convidado
     Receber um convidado com alguma deficiência exige cuidados extras. Há de atentar para a mobilidade de quem vai circular. Ao preparar a casa, coloque-se na situação de alguém com a deficiência de seu convidado para se mover. Convide com prazer e atenção. é fundamental ele sentir que está sendo recebido com prazer e não preocupação. Oriente os demais da casa sobre cuidados.

Cego
     Ao receber um cego é interessante descrever os cenários. Em casa vá até o portão. No trajeto, avise com antecedência o número de degraus e onde estão os pisos mais escorregadios. Não diga aqui ou ali. Descreva o ambiente dizendo – em frente, a cadeira, três passos à direita, a mesa. Descreva a comida. Prefira cardápio que dispense o uso de facas. Se ele tiver sozinho, prontifique-se a servir seu prato e explique a ordem das porções.
 
Cadeirante
     Ao recepcionar um convidado em cadeira de rodas, confira em primeiro lugar se as passagens em rodas estão possibilitadas. Tire tapetes ou peças frágeis. Não tenha intimidades com a cadeira de rodas, sempre peça licença para removê-la e nunca se apoie nela sem autorização. A cadeira é como se fosse parte do corpo de quem a usa. No caso de bengalas ou muletas, nem pense em guardar.
 
Anões ou baixos
     Alguns detalhes e atenções podem deixar confortável a visita de um anão. De início, avise o porteiro, pode ser que ele não seja visto pelo intercomunicador. Peça que o mesmo aperte o andar para a visita. Prepare uma roda de conversas com todos sentados. Tenha uma miniplataforma, de plástico, onde o anão possa subir para se servir, para lavar as mãos. Maçanetas redondas são difíceis de manusear, ofereça ajuda.


*Mara Gabrilli, além de vereadora, comanda um instituto que promove ações em prol de deficientes, o IMG. Ilustrou as páginas da Trip, no primeiro ensaio sensual de uma tetraplégica no Brasil, em 2000. No livro, afirma: |Nunca perdi a vontade de viver|.


[Foto de Camila Domingues. Matéria publicada dia 2 de janeiro de 2010]