mostras e teatro

Tramas de amor e caos de “Cartas ao Mar”, por Clara Fernandes

Mostra inaugura hoje no Museu de Arte de Santa Catarina, na Capital, e segue até 31 de março
Clara mostra 72 obras entre esculturas tramadas, livro-arte e o vídeo-arte “Amorphobia”


A conectividade entre o caos, tempo, espaço, trajetória artística e sentimentos permeiam a exposição “Cartas ao Mar”, que a artista Clara Fernandes inaugura hoje no Museu de Arte de Santa Catarina (MASC), às 19h30, com apresentação sua e mostra do video-arte “Amorphobia”.

Em seu trabalho, ali representado por esculturas criadas especialmente por cobre, fios, metais, sementes, livro-arte ou video-arte, Clara trama. Seus fios de percepções vivem no espaço que ela chama de Caos, um mundo entre o terreno e universal, despido de qualquer definição e repleto de essências. “O Homem contemporâneo perdeu a noção de caos. Como se ficasse mais fácil se prender a definições concretas, o que pode ser não ser real”. É pelo caos que ela vai cercando verdades, se aproximando de um mistério infinito, com a figura do poder feminino sempre em seu âmago.

Entre as obras de destaque da mostra, a homônima “Cartas ao mar”, um livro-arte que Clara começou a fazer após de dedicar por quase dez anos a instalações urbanas. Ele surgiu a partir de um manuscrito que a artista fez ainda no colégio, aos 17 anos, no qual ela reunia textos sobre amor.

As cartas são organizadas sem um tempo, sem um espaço. Seguem uma linha de percepção. Uma carta de Fernando Pessoa escrita para um amigo do poeta, é apresentada com a resposta de uma amiga de Clara Fernandes a uma carta da artista. “Quanto mais disparate de tempo, mais fico satisfeita”, diz, tão afeiçoada a viagens por histórias, lugares e imaginação.

O livro continua, e agora vive em um segundo volume também presente na mostra. Se no primeiro ela usa colagens, no segundo resolveu transcrever as cartas. No processo, a artista se depara com questionamentos como “Afinal, o que forma a pessoa?”. Ao reler uma carta que uma tia lhe remete, se dá conta do quanto aquilo tudo pode ter lhe influenciado a criar, anos depois, Amorphobia.

Em junho de 2011, durante uma viagem, Clara recebe uma carta pessoal que lhe provoca impressões, emoções e compreensões extremamente transformadoras. Esse foi o ponto que lhe fez partir além das páginas do livro e voltar às esculturas inéditas que mostra agora. “Trato do amor como substantivo. Vivemos um problema sério de falta de espaço para o amor na sociedade contemporânea. Em nossas comunicações, estamos sempre disponíveis mas distante de uma verdade que precisa de certas condições para se criar. O ser humano não está sabendo lidar com o amor”. Assim nasceu a primeira escultura depois do tempo que Clara havia se voltado para as letras: “Âmago”, escultura que se encontra na parede, com aparência de leque ou libélula e com significados muito mais entranhados para a artista. Ao lado, está Amorphobia, outra escultura onde o amor se aparenta mais como algo “que está, existe, mas fica fechado em si, não temos acesso”.

Essa visão, no entanto, recebe mais leveza e infinita capacidade de transformação em obras como as vestes utilizadas no vídeo Amorphobia ou no Chalavar, uma rede que guarda os peixes para os navegantes, agora repleta de sementes de Sibipriuna, e outras que aparecem desabrochadas no interior das obras seguintes. Ao final, o Encanto, obras que se referem a um coquetel, como taças, jarras e copos de cristal com metal, vazios. “Não precisamos possuir algo, podemos apreender”.



Tramas e trajetos

Assim como suas obras e seu jeito de estruturar as questões, a trajetória artística de Clara Fernandes se faz entre idas e vindas, voltas e enlaces inesperados, mas que vão fazendo todo sentido. No CIC ela fez sua mais recente exposição em 2001, quando mostrou no local a Vazante, uma mostra repleta de ânforas, garrafas, inspirada de uma arqueologia subaquática. Tempos depois, ela se volta à investigação do interespaço e passa a criar grandes instalações repletas de tramas com fios de metais em espaços públicos, praias. “É um exercício de ampliar percepções. Um espaço pode ser sentido e sempre mais compreendido. Há muito além no que a gente ainda não enxerga. Essas redes, em lugares abertos, podem despertar a noção de interespaço”.

Outra mudança sua aconteceu em 2010, quando ela encontra por acaso, em um passeio, um barco naufragado na praia de Ingleses. Imediatamente se ligou novamente às suas ânforas tramadas em 2001 e reiniciou uma viagem, agora acompanhada de um marinheiro. A trama de fios no entorno do teatro do Teatro Alvaro de Carvalho, que ela criou em 2009 sugeriu-lhe todo um movimento de companhia de teatro, viagens de navio, mensagens pelos fios que clara tece com maestria. A partir daí, Clara passa a tramar com palavras, e se debruça no “Cartas ao mar”, até se voltar de novo para esculturas. “Pensei que tinha parado com isso, com essa trama de metais, a construção de objetos, mas eles seguem, o processo reiniciou”, conta ela, em um convite para ver as peças, tão atuais e repletas de referências.


Viagens
“A viagem em si muda nosso olhar e nosso sentimento, sobre lugares, pessoas, situações. Eu falo diferente sobre Florianópolis quando não estou aqui”.
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Serviço:
O quê: Exposição “Cartas ao Mar”, de Clara Fernandes
Quando: Hoje, 19h30 (abertura). Visitação até 31/3, terça a sábado, 10h às 20h30; domingos e feriados, 10h às 19h30.
Onde:Masc (Museu de Arte de Santa Catarina), CIC. av. Irineu Bornhausen, 5600, Agronômica, Florianópolis, tel: 3953-2301
Quanto: Gratuito

[Texto publicado em 6 de março de 2013. Fotografia de Rosane Lima]