
Quidam perturba mais que Alegria
O Cirque du Soleil tem poderes característicos, mas diferentes encantamentos. No picadeiro, artistas que comprovam a grandiosidade humana, ultrapassando limites de força, equilíbrio, graça, alegria, sincronicidade. Mágicas feitas de gente, que buscam o impressionante e o tentam tornar simples. Em cada espetáculo, um mundo feito de outro jeito. Enquanto “Alegría” trouxe para Porto Alegre, em 2008, a graça da infância, o amarelo, o clima de festa, dança, dia, celebração, vermelho e fogo, “Quidam”, que estreia na capital gaúcha dia 27 de maio, é cinza e azul escuro. Chove. Parece noite. Sua pronúncia, em tom de trovão – “key-dam” -, escancara o significado da palavra latina, um transeunte anônimo.
Não é a infância do “Alegría”. Fala da adolescência, um questionamento, uma busca. O enredo inicia com uma adolescente de pais alheios. Sua busca pela vida passa pela fantasia e amigos imaginários, com o negro do processo esteticamente abordado.
O show se estrutura entre os atos performáticos e os personagens que os intermedeiam. A garota passa por todo ele. Alguns dos atos mais marcantes do espetáculo, estreado em 1996, dois anos após “Alegría”, foram premiados. Aqui se exclui os do palhaço, que abdica troféus, mas fica claro na memória, em sua alegria universal, singela e irresistível.
“Statue – Vis Versa” é um dos mais aplaudidos. Inicia após o intervalo. Um casal move seus corpos como se houvesse um ímã entre eles. Num momento, os ombros e nuca dela estão sobre os ombros e nuca dele. Ele de pé, ela deitada com os pés esticados para cima, de cabeça para baixo. Dali, o corpo dela desce milimetricamente. Como se grudados. Em seguida, após movimentos em perfeita harmonia e concentração, os dois ficam na horizontal, com ele sustentando através dos braços apoiados ao chão. Ela em cima, com rosto para o alto, pernas esticadas. Nesse momento ela não encosta no chão. Desliza e se apoia inteiramente nele. O número conquistou o Palhaço de Prata, em 2000, no Festival Internacional de Circo de Monte Carlo.
Outro feito que merece destaque é o ato desempenhado por quatro jovens artistas chineses que equilibram e manuseiam um carretel através de hastes e um fio. Os carretéis saltam, dançam juntos e desenham um jogo infantil impressionante pela cooperação, talento e sintonia que exige. Foi premiado em 1995, em Paris, com a Medalha de Ouro do Festival do Cirque de Demain. “German Wheel” também é memorável. Consiste em uma grande roda dupla. No centro, o artista a manobra, rodopia, gira, finge moeda rodopiando, não cai. Executa saltos mortais e desafia orgulhoso as leis da gravidade.
A trilha sonora por banda ao vivo acompanha o desenlaçar do artista, que nunca está sozinho no picadeiro. Nas cores e histórias de “Quidam”, os personagens tonificam a mensagem sentida. Zoé é a pequena jovem. Anseia por diversão e entusiasmo, mas acredita não poder alcançar. “The Target” é um ser gracioso que a acompanha por um tempo. “John” é uma espécie de animador circense, mas com mais arestas que o palhaço, universalizador da magia.
O Correio do Povo assistiu a “Quidam” a convite da Tim, recentemente, em Curitiba. Fotos divulgação. Publicada em 3 de janeiro de 2010

