direitos humanos

Terra de índio, para índio

Indígenas e manifestantes de Porto Alegre e região aderiram ontem à manifestação nacional de apoio ao povo guarani kaiowá e ao direito indígena de demarcação de suas terras assegurado desde a Constituição de 1988. Em ato promovido no Largo Glênio Peres, houve a reunião de manifestantes, apresentação de três peças teatrais, leitura do decreto que assegura o direito dos índios a ter suas terras demarcadas e uma caminhada até a Farsul, entidade que representa produtores rurais.

A manifestação se originou de protestos sociais após a justiça emitir uma liminar que determinava a retirada do acampamento dos índios guaranis-kaiowás da Fazenda Cambará, em Mato Grosso do Sul. Ali eles vivem encerrados em pequenos trechos de vegetação, confinados como em currais e sendo aliciados para trabalhar na exploração da erva mate e cana de açúcar, segundo conta o antropólogo, pesquisador e professor da UFRGS José Catafesto de Souza. O povo emitiu uma carta se dispondo a morrer em massa, ser assassinado ao invés de ter que deixar o lugar de suas terras sem ter para onde ir. A comoção nacional e movimentação social pela internet provocaram a suspensão da liminar temporariamente.

A situação dos índios do Mato Grosso do Sul não é tão distante do que acontece em todos país, conforme o cacique da aldeia Pindó Mirim, de Porto Alegre, Vherá Poty. “Não existe respeito ao povo indígena. Nosso modo de vida é diferente. Não é porque usamos roupas agora que somos iguais aos brancos. Temos nossa religião, tradição, costumes. As políticas públicas criadas para os indígenas são feitas por brancos, nem participamos. Requeremos o direito de viver sem sermos expulsos. Ser expulso de terras de uso milenar indígena é a mesma coisa que morrer”, afirma ele, que vive com cerca de outros 70 índios em Itapuã, em terras demarcadas desde 2000.

Na área do Canta Galo, no entanto, apesar de terem direito a 298 hectares, os índios só ocupam 38 porque os colonos não foram indenizados pelo governo, ele conta. Segundo Poty, por não usufruir de uma área de floresta condizente, o índio enfrenta cada vez mais dificuldades. Sem ter como retirar o alimento, água ou material para construções, investe em artesanato.

“Nossos costumes são ligados à floresta. Não queremos plantar soja ou eucalipto para vender e ter dinheiro. Não dizemos que é muita terra ou dinheiro para uma pessoa, pedimos apenas nosso espaço. Vivemos na terra para desenvolver o ser humano a partir da Natureza”, afirma.

Segundo Catafesto, áreas de terras com povos indígenas vão sendo registradas como particulares porque o órgão oficial brasileiro se faz presente. “São feitos registros de terras com a conivência de representantes do governo, o que inviabiliza o frear do interesse econômico, as ameaças de mortes e a expropriação de terras desse povo que ocorre desde antes da colonização”, diz. Conforme ele, o idealismo positivista fez com se criasse a ideia de que índios são empecilhos para o desenvolvimento já que não trabalham como os brancos.

“Eles não são considerados válidos. É intenção do Estado manter de forma precária a estrutura indígena, e própria Funai”, diz.

[foto Fabiano do Amaral]