direitos humanos

Genocídio democrático

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A socióloga e professora norte-americana Martha Huggins, que começou pesquisas relacionadas a polícia, prisão e violência nos anos 70 no Brasil, esteve no Rio Grande do Sul neste mês, onde prestigiou atividades desenvolvidas em instituições de ensino e no Ministério Público. Na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), ela fez a conferência “O Policiamento e a Questão Racial”.
Com dois livros editados no país: “Polícia e política: relações Estados Unidos/América Latina” e “Operários da Violência – Policiais Torturadores e Matadores Reconstroem as Atrocidades Brasileiras” atualmente Martha se dedica a pesquisas sobre preconceito, especialmente contra negros.

Certa de que o fato de um governo viver em democracia não garante que ele se comporte de modo não discriminatório em diversas instâncias, ela cita: no Brasil, o homem branco ganha mais que a mulher branca, que ganha mais que o homem negro, que ganha mais que mulher negra. Ao focar as discriminações no negro por dentro do sistema de justiça criminal e o tratamento dele nesse sistema, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, ela avalia: existe genocídio tanto nos EUA quanto no Brasil, especialmente de jovens entre 15 e 24 anos. Ela cita estudos que indicam um quadro sem possibilidade de contestações: 58% dos réus presos em flagrante são negros, contra 46% de brancos. Além disso, 62% dos réus negros dependem da assistência judiciária proporcionada pelo estado. Para brancos o índice é de 39,5%. No Brasil, entre 2002 e 2008, o número de assassinados brancos caiu 30% enquanto o de assassinato de jovens negros subiu 13%. Além disso, destaca, um negro tem sete vezes mais chances de ser preso do que um branco no Brasil. Nos EUA, é cinco vezes mais provável que ele seja preso.

“Os jovens negros são assassinados principalmente pela ação militarizada da polícia, ou matam-se entre si. A polícia que mata antes de provar o crime faz parte dos grupos especiais, como a Rota em São Paulo e o Bope no Rio de Janeiro. E não agir de modo a evitar que os jovens matem-se uns aos outros já é uma escolha”, afirma. Na opinião da estudiosa, não existe mais respeito aos direitos humanos no EUA do que no Brasil. “O EUA tem um povo mais mobilizado contra o desrespeito a esses direitos. Progressistas e advogados também assumem causas”, conta..
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A tortura democrática

Recorrentemente citada pela sua pesquisa para o livro ‘Operários da Violência”, na qual entrevistou torturadores da época da ditadura no Brasil, Martha Huggins não hesita em afirmar que a tortura continua, e no EUA também. “Há tortura todos os dias nas prisões e delegacias brasileiras, e no governo Obama essa continua sendo uma prática da política internacional. Em Chicago, após denúncias e processos, a polícia está sendo reorganizada”, afirma.

Ao falar sobre o torturador, ela afirma que tal figura representa muito menos que o facilitador da tortura. “Torturador você contrata. Quem planeja e decide fazer a tortura tem poder e contatos que o sustenta. São os facilitadores, entre eles muitos políticos. É um sistema que suporta governos e tempos”, denuncia.

Natural de Neva Orleans, Martha Huggins conta que sentiu na pele o preconceito sobre mulheres, um tema que ela conhece bem. Criada com poucas condições financeiras pela mãe, tia e avó, ela é Doutora pela New Hampshire University, professora emérita da Tulane University, New Orleans, e Union College de Nova York. No Brasil lecionou na Universidade de Brasília, Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, e Universidade Federal de Pernambuco.

[foto Mauro Schaefer]
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