literatura

Tragédia da Rua da Praia em Quadrinhos

Há 100 anos, quando a população de Porto Alegre era igual a dez por cento da atual, um assalto emociona e agita a
cidade então governada pelo republicano Borges de Medeiros. Além dos
transtornos ou danos materiais, o fato ganha diversas proporções e leituras de
cada personagem envolvido: polícia, jornalistas, testemunhas, governo e população. Resgatado por Rafael Guimaraens em 2005 no livro “Tragédia da
Rua da Praia”  o episódio em que
quatro sujeitos, definidos como anarquistas e russos, saqueiam uma casa de
câmbio em plena Rua da Praia, e fogem a pé, de carruagem, por um bonde e uma
carroça de leiteiro, até se embremarem na floresta às margens do Gravathy e
serem executados pela polícia, ganha agora outra publicação, essa, em
Quadrinhos. “Tragédia da Rua da Praia em Quadrinhos” tem sessão de
autógrafos do roteirista Rafael Guimaraens e do ilustrador Edgar Vasques, hoje,
às 15h30min, na Praça Central.

     Na história, tudo ocorreu em três dias. Às
8h15min de 5 de setembro de 1911, acontece o assalto. Às 8h15min do dia
seguinte os bandidos são mortos. Às 8h15min de 7 de setembro, o atendente da
casa de câmbio morre no hospital.

     Há 10 anos,
Guimaraens folheava a Folha da Tarde de 1961 para outra pesquisa. Se deparou
com a notícia: “Há 50 anos, russos tumultuavam a cidade”. Reservou a
história para uma reportagem e desenvolveu, em pesquisas baseadas nos
jornais da época até criar o livro, lançado em 2005.

     A ideia de fazer em
quadrinhos veio naturalmente. “É uma história rica em ação, personagens, situações,
se presta muito bem aos quadrinhos, que não deixam de ser filmes desenhados.
Tanto que, na época, ela já virou filme”, diz Guimaraens, se referindo ao
fato de que, enquanto os bandidos ainda eram procurados, Nicola e Humberto
Petrelli resolvem fazer um filme – um longa, de 14 minutos,  numa época quando o normal era sete minutos. 

     No livro de 57
páginas, cada quadro reúne informações da narrativa nas expressões dos rostos, na aparência de cada personagem, nos diálogos em cada
balão, na arquitetura da cidade, no jeito de falar de cada personagem ou na
contextualização histórica. Uma leitura com grande síntese, agilidade e beleza oferecida pelos quadrinhos ao leitor.

     Para o ilustrador,
Vasques, o mais difícil na hora de desenhar foi ser fiel com o fato,
figuras e cenários reais. Nos traços, trabalhou com pena de metal, cabo
de pincel e pincel seco. Num jeito muito peculiar, conseguiu aplicar
técnicas de preto e branco com nanquim. Com a pena, aproveita para ter
diferentes espessuras em um mesmo traço – “o que uma canetinha técnica não lhe
permite”, comenta. Do computador, não precisou. “Sou mais rápido desenhando a mão”, diz.



O crime a banalidade

     Autor de “O
Livrão o Jornalzinho”, (infantil, 1997), “Teatro de Arena – Palco da
Resistência” (2007) e “A Enchente de 41” (2009), entre outros,
Guimaraens anda com outro projeto de livro policial na mente. Escreve sobre um
crime de 1940 que envolve dois jovens alemães: ele condenado, ela, enterrada na
lagoa dos barros e chamada de “A Noiva do Lago dos Barros”.


     O que interessa o
autor, como em “Tragédia da Rua da Praia”, é o que um crime suscita.
“Um crime rompe o cotidiano e impõe atitudes, que são diferentes em cada
pessoa. Me interessa bastante como as mudanças se dão a partir de um fato, de
um crime”, diz.  Tal visão fica
clara em “Rua da Praia”, conta ele: por exemplo: Coronel Cypriano diz que se
trata de anarquistas provavelmente judeus – e inicia a perseguição a judeus. O
delegado João Leite faz investigações e conclui, que pela direção dos tiros, se
trata de amadores assustados. Outro policial, delegado Louzada, é durão. Neste
enredo, explicações políticas e discursos nos jornais e salas oficiais sobre o
ocorrido. 

     
     Como o governo republicano, no auge da luta com os federalistas,
estava pressionando camadas sociais, o fato serviu para atacar a postura do
governo. Do outro lado, os acusados passaram por anarquistas e judeus e foram
sumariamente fuzilados, com ordem oficial para não capturar os assaltantes com
vida. 

     Em um jornal, “A Reforma”, o fato é lamentável e “a
consicência da cidade está envergonhada com o selvagem desfile patrocinado
pelas autoridades”, em outro, “A Federação”, a ação dos
policiais é heróica, e os corpos merecem ser desfilados pelas ruas. Ao
apresentar diferentes versões e olhares sobre um mesmo acontecimento,
Guimaraens resgata uma questão: será que as pessoas alteram os fatos, com suas
interpretações e posturas? “Não é o fato em si, mas o que gera-se a partir
dele o que me intessa”, diz.

A ascensão dos
quadrinhos


     “Tragédia da Rua
da Praia em Quadrinhos” tem lançamento no dia dos HQS na feira. Para Edgar
Vasques, os HQs já foram encarados como literatura para
ignorantes, mas agora ganham alto status na pirâmede intelectual, e dividem espaço
com os livros convencionais nas livrarias que assina  , entre outros. Ele assina também “O Analista de Bagé” em quadrinhos, a série de livros com o personagem
Rango e começa a divulgar “Brasília”, o décimo da coleção Cidades
Ilustradas, da ed. Casa 21. 



     Conta que os HQs surgiram na
época da revolução industrial americana. Para alfabetizar as levas de
operários, criou-se a história de desenhar algo e ao lado colocar o seu
significado. Mesmo com narrativas se desenvolvendo, era considerada uma linguagem
para crianças ou ignorantes.



     Foi na década de 50 que o quadrinho passou a servir como
fenônemo de literatura em massa, principalmente os pelos gibis e indústria dos
heróis. Nos anos 80, a animação popularizou-se, e ele perde espaço para a
televisão. Depois chega a vez da Graphic Novel, criada por Will Eisner. O marco
foi o livro “Maus”, rato, em alemão. Na obra, Eisner conta nos
quadros a história da perseguição dos judeus pelos nazistas a partir de
animais. Os gatos sãos os nazistas e os ratos os judeus.


     No novo livro,
“Brasilia”, Vasques dá sua visão sobre a capital federal. Em suas
palavras, ‘é um caso de possessão demoníaca. A cidade foi construída para ser
feita de beleza, luz, futuro e justiça. Mas seu lindo corpo foi possuído por um
Brasil injusto, patriarcal”. Na capa, a grande balança da justiça feita
por Niemayer faz fundo a um menino de rua que passa por ali. “A esperança
fica com os netos dessa gente, os já brasilienses, que podem criar um rosto
melhor para o Brasil”, diz.
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{foto cristiano estrela. texto 11/2011}